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Excelente entrevista com o filósofo Mário Sérgio Cortella sobre a existência de Jesus. Excelente não só por causa da eloquência e conhecimento do entrevistado, mas porque, tendo atuado no campo da teologia por décadas, ele muito bem assimilou todos os macetes que os cristãos usam para continuar sonhando seu sonho idiota de “somos os filhos amados da criatura mágica que criou esse universo encantado”.
Só que, para um não drogado como eu, fica fácil perceber e apontar esses macetes para os crentes, afogados no vício que lhes acompanha desde a mais tenra idade. Um deles é o onipresente culto ao “mistério”. Essa palavra é usada várias vezes com um ar de alegria irreprimível pelo entrevistado, confirmando o maior mal que Richard Dawkins atribui à religião: ensinar que é uma virtude ficar satisfeito em não entender. O rosto dos crentes se ilumina de prazer quando eles asseguram que tal e tal coisa “é um mistério”, como que querendo dizer
Isso não está, nem nunca estará, ao alcance do conhecimento humano, logo, você não pode estragar a nossa brincadeira”.
Um outro bem conhecido artifício a que o religioso descaradamente recorre, e para o qual Dawkins sempre apontou seu dedo maligno, é chamado, em inglês, de “cherry picking” (catando a cereja), pelo que você tem a cara de pau de usar uns poucos dados que fundamentam seu ponto de vista sobre determinado assunto (a cereja), ignorando a imensa maioria de dados que o desmentiriam (o bolo). Os cristãos precisam fazer isso o tempo todo, porque o único lugar onde o Deus (ou os deuses) deles podem ser encontrados — a Bíblia — tem mais coisas que desmentem a existência de suas divindades do que coisas que a comprovem; tem mais coisas que sugerem que tudo aquilo é um amontoado de estórias fantasiosas do que o relato verídico de acontecimentos passados. Só como exemplo, nessa entrevista do Canal Livre, o professor Mário Sérgio, certamente um cristão, não concordando com uma fala atribuída a Jesus, rebateu a citação bíblica com um “Disseram que ele disse”. Ou seja, para o que eu concordar com Jesus e com a Bíblia, é tal e qual como está escrito; para tudo o mais que eu discordar, obviamente a palavra de Deus não foi escrita conforme ele queria.
Mas o subterfúgio mais evidente, mais recorrente, e mais ridículo, em debates sobre fé religiosa, já até mereceu um texto meu aqui no blog, chamado Saída pela direita, é aquele em que o crente fala sem parar enquanto finge que está respondendo a uma pergunta. Esse aqui aparece bem explicitamente em dois momentos do programa. Em um deles, sobre o dogma da Santíssima Trindade, alguém quis saber por que Jesus, em seus últimos momentos de vida, teve dúvidas se Deus o teria abandonado. E logo no começo do vídeo, aos 02:52, o apresentador pergunta “Há evidências concretas da existência de Jesus ou não?”. O entrevistado responde com um longo discurso que, ao fim e ao cabo, quer dizer uma coisa só: “Bom, evidências, não”.
Mas ele, cristão que é, prefere reforçar a fé dos seus confrades e a sua própria, falando um monte de outras coisas de modo que até ele mesmo se esqueça da negativa que precisaria ser dada ao que lhe foi perguntado.
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