Demorei uns 5 bilhões de anos, literalmente, para entender o que estava acontecendo. A nuvem de poeira em que se transformara a Via Láctea não tinha fugido com medo de mim: era o universo que estava encolhendo e, assim, tudo à minha volta se distanciava, me deixando para trás.
Tendo o intelecto humano conseguido detectar que todos os corpos celestes estavam se afastando uns dos outros, concluiu-se muito sabiamente que deveria ter havido um momento no tempo em que tudo o que existe esteve reunido num único ponto do espaço. Como cada átomo é constituído basicamente de vazio, há mesmo uma lógica em imaginar um lugar no cosmos em que toda a matéria se reuniu sem nenhum espaço entre ela, com seus núcleos tão fortemente espremidos que se condensaram na forma de energia pura. Energia não precisa de espaço, mas nem por isso ela pode ser impedida de criá-lo. A esse momento no passado deram o nome de Singularidade. E eu estava vendo diante de mim cada partícula de matéria correr em direção a ela.
Eu fiquei extasiado olhando aquilo. Quando percebi, estava absolutamente sozinho no vácuo, sem a companhia de um único fóton, um grama que fosse de matéria escura. À minha frente, à medida que o tempo velozmente recuava em éons, pulsares piscavam por toda parte, como enfeites de Natal, do meio de nuvens de gás coloridas; buracos negros vomitavam estrelas; restos de galáxias acendiam um sem-número de novos sóis e formavam nebulosas que rodopiavam loucamente até se transformarem em novas galáxias, para, então, se desmancharem outra vez. E tudo sempre se distanciando mais e mais de mim.
Tive que me apressar para alcançar as últimas galáxias do cosmos (na verdade, as primeiras que surgiram), porque, quando chegasse o momento, eu queria estar bem próximo do colapso supremo para ver o que se escondia atrás do início de tudo. Já na iminência do fim (ou do começo, melhor dizendo), eu desacelerei o tempo e o ajustei para recuar no mesmo ritmo mundano com que se volta um vídeo no YouTube: segundo a segundo.
Numa convergência apocalíptica impossível de ser descrita, por estar muito além da compreensão dos nossos sentidos, toda a poeira cósmica que ainda restava, toda luz, toda radiação, toda matéria escura, cada pedaço do universo colidia violentamente e escorria agora como uma lava fina, a uma velocidade insondável, para um ponto minúsculo quase no infinito envolto na vastidão do Nada. Bastava olhar para saber que era ali a Singularidade. Voei para lá a tempo de acompanhar de perto o último filete de matéria do universo ser engolido por aquele ralo cósmico, achando que teria finalmente a resposta para aquela pergunta primordial sobre de onde veio tudo o que existe. Mas, de repente, não havia mais nada para ver.
A Singularidade havia se consumado e se consumido.
Atordoado no meio daquele vazio extremo, retrocedi o tempo infinitamente mais rápido do que jamais havia feito antes, e ainda assim nada aconteceu por novecentos trilhões de anos. Quando finalmente me convenci de que não havia nada por aquele caminho, dei a volta e acelerei na direção oposta, para o futuro, parando a poucos segundos antes do evento da Singularidade que daria origem, dali a mais de treze bilhões de anos, ao mundo de onde eu tinha vindo. Curioso para ver, pelo menos, o nascimento do universo, eu me posicionei a uns poucos anos-luz para o lado e esperei, apreensivo e solenemente emocionado, pelo Big Bang.
Foi quando meus olhos fictícios se esbugalharam de espanto, pois tudo permaneceu exatamente como estava: na mais completa, absoluta, irretocável e desesperadora escuridão.
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